CAMILO CASTELO BRANCO

 

        Camilo Castelo Branco, extraordinário romancista e poeta português, foi, sem dúvida alguma, grande pecador em existências pregressas, Sua vida, seus actos e sua lamentável atitude, disparando um tiro de revolver na cabeça, é documentário bastante expressivo para confirmar o que acima dissemos.

        Camilo, bem sentindo a dor pungente de ser órfão, de nunca ter conhecido aquela que lhe deu o ser, de jamais haver experimentado o doce carinho maternal, sintetizou essa sua dor em “Quatro Horas Inocentes”, com esta simples frase: “Eu nunca tive seio de mãe onde encostar a cabeça”.

        Em outra oportunidade, cheio de saudade dessa santa criatura de que ele não teve sequer a graça de fixar a imagem, e de quem, como ele disse, “o só título de mãe quer-se respeitado”, escreveu em um de seus livros estas significativas palavras: “Os orfãozinhos, a quem Deus, no decurso de vida funesta, deu entendimento das carícias de mãe que não conheceram, são os que mais do íntimo da alma as choram”.

        Camilo, aos dez anos de idade, ao chegar à escola, certa manhã, soube que seu companheiro Augusto e a genitora haviam sido vitimas da epidemia que então grassava. Essa notícia deixou-o aturdido, não mais prestou atenção às lições, ficando a pensar nesse estranho mistério da vida que logo se transforma na morte!

        Mais tarde, seu Espírito iria compreender que “a vida humana, apesar de transitória, é a chama que nos coloca em contacto com o serviço de que necessitamos para a ascensão justa”, que ela “é sempre milagroso tecido da Divina Sabedoria” que “às vezes a aflição é véspera da felicidade, tanto quanto o prazer, frequentemente, é produção de angústia...”. Seu Espírito saberia então que “o cadáver é detrito da carne, enquanto que um morto é alguém que se ausenta da vida”.

        Morre-lhe o pai, e ele, então, recorda-se, apavorado, das palavras que seu pai proferira em certa ocasião: “Se eu morrer... que será de ti, meu filho, sem ninguém que te ame?” Camilo sente um desejo insopitável de orar, mas ele não sabe como fazê-lo. Limita-se a repetir a pergunta que o atormenta: “E, agora, que vai ser de mim?”.

        Não sabia, é certo, rezar essas rezas fabricadas pelos homens, mas aquelas palavras que brotavam quentes do âmago de seu coração e por ele repetidas, em estado de profunda emoção, eram verdadeiras preces, porque “toda prece deve significar, acima de tudo, fidelidade do coração”.

        Encontrava-se agora o menino Camilo em Trás-os-Montes, em casa de sua irmã, recentemente casada. Passou a ser companheiro de quarto do Padre Azevedo, que logo se interessou por esse pequeno cérebro que lhe pareceu desenvolvido demais para tão pequena idade. Um dia o Padre Azevedo estava preocupado com a composição de um sermão que teria de proferir na festa de S. Martinho. Camilo atrevidamente resolveu ajudá-lo e desde logo se pôs a escrever. O Padre Azevedo, examinando o que ele tinha escrito, exclamou embevecido:

        - Meu rapaz, o tempo há de fazer de você alguma coisa!

        Como pôde esse garoto escrever um sermão a ponto de assombrar um técnico da feitura de tais peças oratórias, como o Padre Azevedo? Simplesmente porque Camilo era médium e além de médium seu Espírito era detentor de fartos cabedais literários hauridos em vidas anteriores.

        Camilo Castelo Branco desde pequeno foi muito sensível ao amor. A duas mulheres, apenas, amou com todas as fibras de seu coração. A primeira foi Maria do Adro, criatura simples, analfabeta, tuberculosa; foi um amor todo pureza. Sua morte deixou-o deveras acabrunhado. A segunda, muitos anos depois, foi Ana Plácido, por cujo amor experimentou as maiores humilhações, trabalhos e sofrimentos.

        Em dada fase de sua vida, impressionado pela beleza de determinada jovem, Camilo senta-se à mesa tosca de seu quarto e se dispõe a escrever uma ode à sua apaixonada. E por que não hei de escrevê-la, se a “poesia é a linguagem das almas apaixonadas?” E no ardor de seus 15 anos, começa a sua primeira poesia, aliás, longa, e a certa altura, depois de escrever

        Se algum dia, esta carta, acaso vires,
        Talvez que sintas comoções de pena;
        Talvez te lembres de que viste, um dia,
        Numa romagem incógnito mancebo
        Que, constante, fitou teu rosto belo!

        pára de escrever, relê e procura dar um remate a essa ode e então prossegue:

        Mas deixa, ó alma triste, a mágoa, o pranto!
        Um momento recobra d´alegria
        Enquanto a Parca a fatal foice afia!
        Recobra de descanso um só momento;
        Não lamentes um bem, que vai perdido;
        Pois mais do mal se agrava o sentimento,
        Quando cumpre falar do mal sentido!

        Estes versos finais bem retratam a sua alma angustiada, é uma antevisão dos dias tristes e amargurantes que o aguardam! Foi médium, do contrário, como conseguiria compor uma poesia inteira, de princípio ao fim, sem qualquer ajuda. Ao terminar esses versos, sentiu-se feliz. E poucos foram realmente os momentos felizes de sua atribulada vida.

        Camilo escutou, certa feita, de um pobre obsidiado, uma frase que ficou pelo resto da existência a azucrinar-lhe os ouvidos, como que a lembrar-lhe que a seu Espírito não assistia o direito de usufruir bens, mas, sim, o de sentir, apenas, os látegos duros da provação, de vez que ele voltara à romagem terrena para colher os frutos das sementes que espalhara em outras vidas.

        E Gentil Marques um de seus biógrafos, conta-nos que Camilo, quando tinha 16 anos, numa noite em que se sentia acabrunhado, triste, desesperado mesmo, defronta-se com o fidalgo-mendigo, homem de quem se conta uma história que mais parece lenda e que o fez parar.

        “Como sempre, esse mendigo falou-lhe em verso, porque não sabia falar a ninguém de outra maneira, desde o dia que, na opinião popular, perdera o juízo:

        Escuta: Eis que um mendigo
        O teu futuro prediz!
        Vai! Que a dor irá contigo!
        Olha... A sombra da desgraça
        Caminha a par dos infelizes”.

        Esse fidalgo-mendigo era, necessariamente, um médium obsidiado, de quem os inimigos de Camilo, lá do Além, se utilizavam para levar o desassossego, a dor e a amargura ao seu Espírito, nessa prova por que estava passando.
“Adivinhado nos seus pensamentos mais íntimos, Camilo estaca, espantado e medroso, diante desse presságio de fatalidade”.

        A verdade, porém, é que “o mapa de provas úteis a cada Espírito é organizado com antecedência no Espaço, antes de seu reingresso, como o caderno de apontamentos dos aprendizes, nas escolas comuns”. O mapa alusivo a Camilo estava devidamente traçado, ele teria inexoravelmente de passar pelas lutas que experimentou durante toda a sua vida, porque essas lutas eram necessárias, a fim de que, suportando-as com heroísmo, se libertasse das somas de erros praticados no passado. Veio, pois, à Terra com o roteiro capaz de torná-lo um Espírito evoluído, digno do seu aprimoramento intelectual.

        Esse pseudofatalismo era uma bênção de Deus, meio seguro para o seu progresso. Todavia esse fatalismo de modo algum faz cessar o impulso livre da alma, no sentido de elevação, estacionamento ou queda em situações mais baixas.

        E Camilo, dentro da liberdade de sua alma, não se aproveitou das oportunidades de elevação que lhe foram ofertadas, preferindo afundar-se em erros ainda maiores.

        Durante vários meses após a desencarnação de Maria do Adro, Camilo começou a experimentar sérios choques morais que o torturavam acerbamente, tanto que tentara suicidar-se. E ele, coitado, na sua inconsciência, acreditava ser o Espírito dessa Maria do Adro que o estava a chamar, do outro mundo em que agora vivia.

        E, no entanto, esse Espírito bom foi quem conseguiu frustra-lhe os propósitos de suicídio, fazendo que na hora precisa dois amigos seus chegassem a tempo de impedir que ele ingerisse os 20 grãos de morfina, então adquiridos exclusivamente para esse fim.

        Sua alma sentia que algo lhe faltava na vida. Aliás, desde cedo, ainda contando poucos anos de idade, ansiava ardentemente encontrar a criatura que seria, talvez, a alma gémea da sua, ou pelo menos aquela cujos sentimentos e afeiçoes se harmonizassem com as vibrações de seu Espírito.

        Sim, sentia ânsias de encontrar a alma que havia de compreendê-lo, de cujo amor ele tanto necessitava. Ambicionava encontrar uma pessoa com quem pudesse desabafar os seus queixumes, os seus anseios, os seus sonhos, as suas ilusões. Mas onde encontraria esse alguém? – indagava ele. E, um dia, inesperadamente a encontrou. Camilo vibra de entusiasmo, está apaixonado. Mas como se torna difícil possuir a mulher amada! E por quê? Só a história das vidas pregressas poderá esclarecer esse porquê. Essa mulher amada – Ana Plácido – era casada. A verdade é que ela também se apaixonara por Camilo, a ponto de abandonar o marido. Camilo e Ana Plácido fogem, pensando que iriam ser felizes; fugiram, porém, para experimentarem os aguilhões do sofrimento por causa dessa união ilícita, embora vicejasse o puro e indissolúvel laço do amor espiritual! Experimentaram perseguições e finalmente o esposo ultrajado conseguiu das autoridades ordem de prisão contra ambos, por crime de adultério e, consequentemente, julgamento pelo Tribunal do Júri!

        Foi na prisão que Camilo escreveu o romance “Amor de Perdição”, no qual relata a história pungente e dolorosa de seu tio Simão António Botelho.

        E aqui temos o depoimento bastante significativo dos dons mediúnicos de Camilo Castelo Branco. Declarou ele: - “Chego a ter a sensação de que alguém escreve por minhas mãos, nas horas de maior fadiga”, acreditando que o Espírito de Simão Botelho estava ali, errando em seu redor, inspirando-o e guiando-lhe o espírito e o coração.

        Após longo tempo e grandes canseiras, Camilo e Ana Plácido conseguiram a absolvição e confiavam que o anjo da paz e da felicidade lhes sorrisse então, mas os efeitos da lei de causalidade, inexoravelmente, não consentiram que o calvário de Camilo fosse interrompido; tinha de continuar! Camilo trabalhava, trabalhava demais, trabalhava exaustivamente. Sua pena dia e noite deslizava pelo papel, pois que era desse escrever que tirava o necessário para o seu e o sustento de sua companheira que dentro em breve lhe daria um filho. Esse esforço sobre-humano tinha forçosamente de prejudicar-lhe o físico. E realmente assim aconteceu.

        Fortemente fustigado pelo destino, Camilo, em seu quarto, recostado, sofre, angustiado, um pavor que o faz tremer.

        “Só com os seus livros e a sua banca de trabalho e a sua pena incansável. E o seu pesadelo também... Em dado momento, ergue-se apavorado, é que vê perfeitamente alguém mais em seu quarto. E, contudo, vê-se sozinho. E essa criatura, essa sombra, não importa, acaba por se chegar junto dele. Tão junto que o toca. Tão junto que o arrepia. Tão junto que julga morrer. Camilo semicerra os olhos. Não pode mais. É como se estivesse sem voz, sem cérebro, sem coração. Apenas sentindo. E, lentamente, a sua respiração torna-se ofegante. Há qualquer coisa que o estrangula que o asfixia. Mãos brutais, sem forma nem carne. Os tentáculos da presença estranha. As garras da morte. Durante segundos, Camilo luta para se salvar. Para se livrar da asfixia. Para fugir do pavor. Segundos que parecem eternos. Que só acabam quando, de repente também, ele cai para trás, arquejante, mas liberto – e a luz do quarto se torna mais nítida e menos bruxuleante. Quando ele tem a impressão de estar dentro de si próprio, ouve o eco de um grito horrível. Grito que se vai sumindo no espaço como um gemido. E ao deixar de ouvi-lo, Camilo deixa igualmente de sentir a presença estranha junto de si. E deixa de viver esse maldito pesadelo de pavor...”.

        Só daí a dois dias Camilo se convence de que não sonhara. Os seus olhos se prendem a uma pequena noticia local publicada no jornal “Braz Tisana”, do Porto. Prendem-se e doem-se de tanto lerem. A noticia diz apenas o seguinte:

        Falecimento (desencarne)

        Faleceu anteontem, no hotel de Vila Nova de Famalicão, onde estava a ares, o Senhor Manuel Pinheiro Alves, que fora comerciante nesta praça e marido da Senhora Ana Plácido.

        Assim se aclara tudo no pensamento de Camilo. Fora o Espírito de Manuel Pinheiro Alves que o visitara nessa noite estranha. Fora ele que o quisera asfixiar, matar, castigá-lo, pelo muito que o tinha feito sofrer. E fora ele, decerto, também, que o perturbara já em noites anteriores. Camilo convenceu-se, desde logo, que a presença do “outro” andava por ali, invisível como sempre, e ameaçadora, cada vez mais.

        Sim – é essa presença que o faz ansiar pela morte... Olha para trás e vê dezenas de volumes. Olha para junto de si e vê uma mulher e três crianças, que é necessário sustentar. Olha para a frente – e vê-se cheio de dívidas, de pavores, de incertezas, de cansaços, de provas tremendas, conforme lemos no livro “Camilo” de Gentil Marques.

        De provas com que nunca sonhara, por exemplo, a cegueira! E nesse estado de alma, desencarna o filho de Ana Plácido, ao qual dedicara grande afeição. Depois, a loucura de seu filho Jorge, em quem pusera a sua maior esperança de felicidade. O outro filho, Nuno – um estroina e gastador.

        Para alegria fugaz de Camilo, resta-lhe unicamente o sorriso de uma netinha. Sorriso que é um raio de luz, no seio da noite escura em que ele vive. Mas a sua prova prossegue. Também sua querida netinha desaparece, retorna seu Espírito às regiões etéreas!

        E Camilo chora a perda desse anjo. Estes seus versos bem lhe atestam a grande dor:

        Parecia dormir: tinha morrido.
        Pedi que não a levassem no caixão;
        Que a deixassem mirrar a desfazer-se
        Como a flor se desfaz na podridão.

        Teimaram em levar-ma, e eu cingi-a
        Ao peito que se abriu pela pressão;
        Depois pude escondê-la, e tenho-a morta
        No meu desesperado coração.

        Mas a cegueira prostrara-o por completo; a estranha presença volta a assediar-lhe. E voltou para levá-lo consigo.

        Camilo, no final de sua romagem terrena, considerou-se derrotado, vencido pelas desditas e deliberou terminar de uma vez a tragédia de sua vida, como se seu Espírito pudesse, assim, libertar-se do sofrimento!

        Quais os fatos ocorridos em existências passadas com esses três Espíritos: Camilo, Ana Plácido e Manuel Pinheiro Alves, que tiveram como epílogo essa tormentosa encarnação? Dentro da lei de causa e efeito, e em face, também, das vidas múltiplas, bem podemos conjecturá-los.

        Camilo e Ana Plácido, embora entre eles houvesse forte atracção espiritual, deveriam, no entanto, resistir, deveriam sofrer em silêncio, resignadamente! Fraquejaram, infringiram os mandamentos da Lei Divina e as orientações do Direito Civil! Esqueceram-se dos conselhos recebidos no Além e, por isso, seus Espíritos, por tempo que não podemos imaginar qual seja, sofreram o desespero da separação!

        Se Camilo cometeu uma grande falta com essa união ilícita, outra mais grave, infinitamente maior cometeu Camilo, suicidando-se!

        É o seu próprio Espírito quem nos diz:

        “Eu passei a minha vida terrena a ver tudo pelos óculos pretos; e tão preto vi, que Deus me deu a escuridão da cegueira. E essa escuridão acompanhou-me horrorosamente aqui, e poucas são as nesgas de luz que conseguem vir quebrá-la ainda!”.

        “A pesada cerração, que os ventos do infortúnio haviam acumulado sobre os meus olhos, já se dissipou, deixando que visse a etérea região, que só de sonho quisera crer. Conheço agora melhores caminhos que a ela vão dar e possuo o bordão que me servirá de arrimo na longada que ainda tenho a percorrer para lá chegar”.

        E a dor, de fato, o acompanhou pela vida do Além, onde experimentou, como todo suicida, inenarráveis torturas.

        O Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira já deu à publicidade, em alentado volume de cerca de 600 paginas, o relato desses sofrimentos, feito, alias, pelo próprio Espírito de Camilo Castelo Branco, através da mediunidade de Yvonne A. Pereira (“Memórias de um Suicida”).

Fonte: O Mensageiro

 

 

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