O Espírito de Unificação

 Jacob Melo

 

        Quando Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, lembrou que reunir elementos dispersos, concatená-los e estruturar-lhes o plano de acção, na ordem superior que nos orienta o idealismo, é serviço de indiscutível benemerência porque demanda sacrifício pessoal, oração e vigilância na fé renovadora e, sobretudo, elevada capacidade de renunciação (1), definiu para o meio espírita o que se pretende fazer e obter com a Unificação.

        Em seu dicionário, o professor Aurélio (2) define unificar como sendo: reunir em um todo ou em um só corpo; tornar uno; fazer convergir para um só fim. Fácil perceber que o conceito de Unificação vigente no meio espírita, contido naquelas palavras de Emmanuel, é uma aplicação directa dessa definição.

        Constatando, de início, a coerência com que a Unificação está definida, cabe analisarmos a essência do processo para entendermos esse todo e, compenetrando-nos e procedendo em convergência a esse único fim, tornemo-nos unos. Essa proposta, inclusive, se pauta no amorável convite do Espírito de Verdade: trabalhemos juntos e unamos nossos esforços a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra (3).
 

        Origens

        Não sendo nossa pretensão a de erigir um levantamento histórico do Movimento Espírita (M.E.), permitir-nos-emos destacar apenas alguns dos pontos que registramos como muito significativos nesse fecundo terreno da Unificação.
 

        Na obra kardequiana

        Já na abertura da primeira obra espírita - O Livro dos Espíritos -, os Espíritos da Codificação assinaram conjuntamente uma mensagem na qual se destaca a preocupação com esse grande ideal: ...Todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial (4).

        Em sua obra seguinte - O Livro dos Médiuns -, já com uma visão do que viria a ser chamado de Movimento Espírita, o Codificador assim se referiu: Convidamos, pois, todas as Sociedades espíritas a colaborar nessa grande obra. Que de um extremo ao outro do mundo elas se estendam fraternalmente as mãos e eis que terão colhido o mal em inextrincáveis malhas (5).

        Observando as dissensões entre grupos e entre aqueles que buscam estabelecer princípios diferentes da base Universal dos ensinos dos Espíritos, Kardec pondera: Se houvessem compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam embalado com ilusões quiméricas.

        (...) Em lugar de romperem a unidade, quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida (6).

        Em Obras Póstumas, o Codificador deixa claro que tinha uma percepção de futuro muito segura: Os espíritas do mundo todo terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo sagrado laço da fraternidade, mas cujas aplicações variarão segundo as regiões, sem que, por isso, a unidade fundamental se rompa; sem que se formem seitas dissidentes a atirar pedras e lançar anátemas umas às outras, o que seria absolutamente anti-espírita. Poderão, pois, formar-se, e inevitavelmente se formarão, centros gerais em diferentes países, ligados apenas pela comunidade da crença e pela solidariedade moral, sem subordinação de uns aos outros... (7).

        Como em nosso estudo ainda iremos usar outras citações do Mestre Lionês, concluiremos este item com uma singela assertiva do Espírito Henri Heine, que sintetiza: "Deus abençoa a solidariedade" (8).

        E Já que a Unificação passa necessariamente pela solidariedade, podemos inferir que ela é por Deus abençoada.
 

        No movimento espírita brasileiro

        A história da implantação do Espiritismo no Brasil apresenta uma face rica em fatos e uma faceta que revela a dificuldade que o homem tem em atender aos compromissos da boa exemplificação. Dentre os fatos, destacamos a actuação pioneira de médiuns e trabalhadores do quilate de Bezerra de Menezes, Augusto Elias, Luiz Olympio Telles de Menezes, Ewerton Quadros, Romualdo Victorio, Frederico Figner, Leopoldo Machado e tantos outros que, com seus esforços, puderam editar e manter um O Eco d'Além Túmulo e um Reformador, corresponderem-se com o próprio Codificador, traduzirem os primeiros volumes da nova ciência sob o guante de vigorosas perseguições, além de outros exemplos de destemor e fé. Nas facetas, encontramos os equívocos da interpretação personalizada que chegaram a levar o movimento nascente a verdadeiras batalhas anti-fraternas entre irmão de tão nobre ideal quanto o é o Espírita.

        Tanto que no início deste século, conforme registrou Reformador de Setembro de 1901, num memorável artigo, o confrade Pedro Richard, outro baluarte do Espiritismo no Brasil, assim se expressava: Pregamos a fraternidade, afirmamos que o Espiritismo tem por fim a confraternização de todos os homens e, no entanto, vivemos separados e não raro em dissidência! Pregamos a humildade como condição primordial para a nossa salvação, reconhecemos que o orgulho é o inimigo do espírito e nos confessamos fracos, mas queremos operar sozinhos e confiados às nossas próprias forças, agindo por conta própria e ao nosso bel-prazer! - Não, meus amigos; sem união não pode haver força e sem força não se opõe resistência aos ataques das inúmeras cortes inimigas... (9).

        Foi quando se comemorava o centenário de Kardec, em 1º de Outubro de 1904, que os espíritas brasileiros decidiram, de fato, organizar o Movimento Espírita dentro de uma estrutura homogênea e lastreada nos tríplice aspecto do Espiritismo; surgiu então o documento que ficou conhecido como Bases de Organização Espírita. Nesse documento já estava previsto que as Sociedades que aderissem ao programa da Federação Espírita Brasileira (FEB) se filiariam ...sem nenhuma relação de dependência disciplinar, mas unicamente com intuitos de confraternização e unidade de vistas (10).

        Quarenta e cinco anos após, a 5 de Outubro de 1949, aconteceu a Grande Conferência Espírita Realizada no Rio de Janeiro, a qual ficou conhecida como Pacto Áureo. Sem dúvida, foi um passo decisivo para a implantação e assimilação da ideia unificacionista do Brasil, já de há muito defendida exemplarmente pelo eminente Dr. Adolfo Bezerra de Menezes. Como era grande a dispersão em que o M.E. se encontrava, seria óbvio surgissem nesse documento dispositivos de teor administrativo para nortearem os primeiros passos no sentido de se estabelecer a pretendida unificação. Decorrentemente, o tempo se encarregaria de apresentar a necessidade de actualização de alguns desses dispositivos.

        Isso, entretanto, não diminuiu o valor do Pacto Áureo, assim como não o entronizou como documento perfeito.

        Partindo do Pacto Áureo, o Conselho Federativo Nacional (CFN) foi instalado oficialmente a 1º de Janeiro de 1950, conforme Proclamação aos Espíritas (11) datada de 8-3-1950, sendo este, até os dias actuais, o órgão da FEB encarregado da Unificação.
 

        Nas mensagens espíritas

        O universo de mensagens que o meio espírita possui acerca da Unificação é enorme. Devido à presença ativa do eminente Dr. Bezerra de Menezes, desde os pródromos do Movimento Espírita Nacional e da própria FEB até os dias actuais - tanto quando encarnado como hoje em Espírito - nos permitiremos aqui colocar duas referências de suas. Por não termos conseguido localizar nenhum registro de Bezerra do século passado, não consideramos a cronologia nessas citações. Entretanto, elas valem pelo seu teor e aqui surgem como uma homenagem de reconhecimento por seu labor.

        Numa mensagem inesquecível (12), assim se expressa Bezerra através da psicografia de Francisco Cândido Xavier: O serviço da unificação em nossas fileira é urgente, mas não apressado. (...) É urgente porque define o objectivo a que devemos todos visar; mas não apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma. Mantenhamos o propósito de irmanar, aproximar, confraternizar e compreender, e, se possível, estabeleçamos em cada lugar, onde o nome do Espiritismo apareça por legenda de luz, um grupo de estudo, ainda que reduzido da Obra kardequiana, à luz do Cristo de Deus. (...) Ensinar, mas fazer; crer, mas estudar; aconselhar, mas exemplificar; reunir, mas alimentar. (...) Nada que lembre castas, discriminações, evidências individuais injustificáveis, privilégios, imunidades, prioridades. Amor de Jesus sobre todos, verdade de Kardec para todos... (grifos originais).

        Em outra oportunidade, agora sob a psicofonia de Divaldo Franco (13), assim reflecte ele sobre nosso comportamento: As nossas decisões são baseadas nas palavras de Jesus; a nossa definição é o Evangelho (...). Jesus, para nós, é o zênite e o nadir (...). Porfiai, pois, obreiros da Nova Era! Tende a coragem de discutir sem dissentir, de discordar sem separar, porque o nosso fulcro é a Verdade que defenderemos com a própria vida....

        Devido ao seu valor e ao tratamento específico dado à questão, inserimos neste espaço um pouco da palavra do Espírito Emmanuel - pela psicografia de F. C. Xavier: Trabalhar pela Unificação dos órgãos doutrinários do Espiritismo no Brasil é prestar relevante serviço à causa do Evangelho Redentor junto à Humanidade. (...) Trabalhemos, pois, entrelaçando pensamentos e acções, dentro dessas directrizes superiores de confraternização substancial. A tarefa é complexa, bem o sabemos. O ministério exige lealdade e decisão. Todavia, sem o suor do servo fiel, a casa pereceria sem pão (14).
 

        Desenvolvimento

        Antes de seguirmos, importa distingamos que não é a Doutrina Espírita o Movimento Espírita em si; a primeira tem suas bases codificadas por Allan Kardec e alargada por obras complementares visto ser o Pensamento Kardequiano um conjunto basicamente sintético (15); o segundo, em princípio, é o conjunto de acções, atitudes e repercussões que, pautadas na própria Doutrina Espírita, visam coordenar, orientar e desenvolver as actividades dos espíritas. Cabe ao Movimento, portanto, o estudo, o desenvolvimento, a vivência e a divulgação dos postulados espíritas, tanto pelas individualidades quanto pelas Sociedades Espíritas.

        Do seio do Movimento é que surge a necessidade de se unir esforços para se auferir melhores resultados, pelo que a Unificação se interpõe como o organizador das acções dos grupos de trabalho do M.E. de modo a possibilitar aqueles resultados, no menor prazo e com menos prejuízos.

        O CFN, órgão que traz em seu bojo a proposta de executar, desenvolver e ampliar os planos da sua (FEB) atual Organização Federativa (16) e do qual fazem parte, como membros, as unidades federativas dos Estados brasileiros, manteve o espíritos do estabelecimento de relações fraternas do Bases de Organização Espírita: As Sociedades componentes do Conselho Federativo Nacional são completamente independentes. A acção do Conselho só se verificará, aliás, fraternalmente, no caso de alguma Sociedade passar a adoptar programa que colida com a doutrina exposta nas obras: "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns ...(17). Lamentavelmente, parece não ser do conhecimento de alguns grupos essa realidade, pelo que o próprio CFN vai, por vezes, acusado de não possuir este que é um princípio básico em seu estatuto.

        Com a implantação desse Conselho e a ocorrência de suas reuniões regulares, vêm sendo detectados, estudados e implantados alguns dispositivos no intuito de melhor orientar a desenvoltura do Movimento Espírita Nacional. Documentos como A Adequação do Centro Espírita para o Melhor Atendimento de suas Finalidades (1977), Orientação ao Centro Espírita (1980) e Directrizes da Dinamização das Actividades Espíritas (1983) aliados a campanhas como da Evangelização da Infância e Juventude, de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, Em Defesa da Vida e Viver em Família são a demonstração prática da busca pela actualização. Contudo, sabemos que programas tão amplos e gerais, mesmo sendo elaborados com a participação de representantes das várias regiões do país, naturalmente continuarão sofrendo a necessidade de revisões e adaptações para que possa bem atender a realidades por vezes tão heterogéneas.

        Como ler e ouvir não são a mesma coisa que participar e sentir, percebemos que várias células do Movimento Espírita, por não participarem das reuniões regionais e nacionais do CFN, não percebem o alcance mais profundo das propostas surgidas; por semelhança de atitudes, o mesmo nos é permitido pensar de alguns representantes que, embora indo a essas mesmas reuniões, lhes faltam a vivência das realidades das Casas Espíritas que não a própria. Como o CFN, enquanto órgão de Unificação, deve interpretar a Organização Federativa como sendo a organização do próprio Movimento Espírita em si - já que não se concebe imaginar esse Movimento dividido se a base, a estrutura e os objectivos são um só, ou seja, a própria Doutrina Espírita -, cabe ao CFN, de fato, ampliar seus horizontes, albergando em seu seio não apenas a representação indicada por regimentos excludentes, mas as representações que de fato representem as realidades do M.E. Isso, inclusive, não é novidade. Na reunião do CFN realizada em Brasília, de 3 a 5 de Julho de 1981, o então presidente da FEB, Sr.

        Francisco Thiesen, sugeriu a criação de um Quadro Especial de Entidades Federativas do CFN, ...permitindo que todos os espíritas e Entidades, como o "Instituto de Cultura Espírita do Brasil", a "Associação Social Paulo de Tarso", a "Fundação Cristã-Espírita Cultural Paulo de Tarso", a "Cruzada dos Militares Espíritas", a "Sociedade Pró-Livro Espírita em Braile" etc., tenham acesso ao CFN... (18). Nessa mesma reunião, em suas palavras finais o presidente Thiesen asseverou: Preconizamos reformas que em nada diminuam a actuação , abrangência e eficiência do CFN, mas que lhe dê mais amplitude, talvez deixando de ter estrutura tipicamente federativa, que não nos parece ser a mais apropriada hoje. É esta uma outra questão a ser examinada, e concluiu ratificando que O Conselho (...) precisa e merece ser transformado, entrando em novo e mais alto estágio, quiçá com novo nome (19).

        Apenas para não deixar este assunto em aberto, na reunião seguinte do CFN, Em Brasília, de 2 a 4 de Julho de 1982, o mesmo Francisco Thiesen voltou a ratificar sua posição, acrescentando que ... continuamos pensando assim, é que os espíritas responsáveis pelo Movimento devem planejar o seu trabalho. Não devem manter-se na rotina e ser arrastados pelo carros do progresso. Queremos evitar que o progresso nos imponha um comportamento que a nossa imprevisão não tenha sabido planejar.

        (...) O que desejamos é resolver os problemas da Unificação e os senhores sabem que os problemas estão bem dimensionados, são conhecidos, mas não estão resolvidos. E aquilo que não está resolvido, não o está porque não temos tido suficiente coragem para enfrentar as realidades que se nos apresentam no dia-a-dia (20). A seguir, a maioria dos representantes presentes apoiaram a palavra do presidente, seguindo-se a formação de uma comissão para, no prazo de noventa dias, apresentarem a estrutura desse Quadro. Na reunião do CFN dos dias 25 a 27 de Novembro de 1983, aquela comissão apresentou seu relatório favorável à constituição do Quadro Especial de Entidades não Federativas (21), cuja implantação se deu de imediato. Em nossa visão pessoal, entretanto, acreditamos que a estrutura que foi sugerida por esse relatório e aprovada pelo plenário, num futuro que já chegou, apresenta a necessidade de aperfeiçoamento e, inclusive, de ampliação de sua base (22).

        Completando esta sequência, no Congresso Mundial de Espiritismo, ocorrido no período de 2 a 5 de Novembro de 1990 em Li'ege, Bélgica, iniciaram-se os trabalhos para a formação de um Conselho Espírita Internacional (CEI), cujos trabalhos tiveram continuidade por ocasião do Congresso Internacional de Espiritismo (Feespírita/91), realizado pela Federação Espírita do Estado de São Paulo de 18 a 20 de Outubro de 1991 e contando com o apoio e a participação da União das Sociedades Espíritas de São Paulo (USE) e da FEB (23). Exactamente a 28 de Novembro de 1992, durante o Congresso Mundial de Espiritismo realizado em Madrid, Espanha, foi fundado o CEI (24).
 

        Retornando a Kardec

        Por força do que já anotamos no item 2.1 acima, fácil reconhecer que pertence a Kardec a idéia original acerca da Unificação; a FEB também o reconhece publicamente: A Unificação inicia-se com o trabalho de Allan Kardec que (...) realizou diversas viagens de visitas a núcleos nascentes do Espiritismo, levando esclarecimentos e apoio e observando as realidades e as necessidades desses primeiros grupos (25), acrescentando que Esse trabalho, que tem como base os princípios fundamentais da Doutrina Espírita, decorreu basicamente da orientação dos Espíritos na própria Codificação (26).

        Na verdade, o Codificador sabia dos problemas que poderiam advir: A necessidade de uma direção central superior, guarda vigilante da unidade progressiva e dos interesses gerais da Doutrina, é tão evidente, que já causa inquietação o não ser visto, a surgir no horizonte, o seu condutor. Compreende-se que, sem uma autoridade moral, capaz de centralizar os trabalhos, os estudos e as observações, de dar a impulsão, de estimular os zelos, de defender os fracos, de sustentar os ânimos vacilantes, de ajudar com os conselhos da experiência, de frizar a opinião sobre os pontos incertos, o Espiritismo correria o risco de caminhar ao léu. Não somente essa direcção é necessária, como também preciso se faz que preencha condições de força e de estabilidade suficientes para afrontar as tempestades. - E continua: Os que nenhuma autoridade admitem não compreendem os verdadeiros interesses da Doutrina (27).

        Assim pensando, sua palavra não se limitou apenas às Sociedades, mas à actuação do indivíduo também: É, portanto, dever de todos os espíritas sinceros anular as manobras da intriga que se possam urdir, assim nos pequenos, como nos grandes centros. Deverão eles, em primeiro lugar, repudiar, do modo mais absoluto, todo aquele que por si mesmo se apresente qual messias, quer como chefe do Espiritismo, quer como simples apóstolo da Doutrina. Pelo fruto é que se conhece a árvore; espere-se, pois, que a árvore dê seu fruto, para decidir se ela é boa e veja-se também se os frutos têm sabor (28). Todos devem concorrer, ainda que por vias diferentes, para o objectivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade. Os antagonistas, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender (29).

        Com base no que vimos até agora, podemos assumir com tranquilidade a posição de que a Unificação começa e se inspira na Obra Kardequiana. Dessa forma, os princípios que devemos seguir nesse propósito de união estão estabelecidos nas bases do Espiritismo, pelo que nos permitimos parafrasear o Espírito Emmanuel: se houver regras para a Unificação que fujam dos princípios básicos da Doutrina - conforme codificada por Allan Kardec -, fiquemos com Kardec e as deixemos de lado.

        Embora correcto, este raciocínio não deve extrapolar as medidas do bom senso. Vale a ressalva para que não se limite a aceitação apenas ao sentido literal das palavras de Kardec, pois a contextualização é sempre de relevante importância, mormente neste caso, assim como a contribuição séria que surge, cresce e se renova a cada dia. Afinal, o Espiritismo, mesmo estabelecido em bases sólidas, é uma doutrina progressista, portanto evolutiva; a Unificação, decorrentemente, não pode ser de outra matriz.
 

        O Espírito de Unificação da FEB

        Quando a Federação Espírita Brasileira (FEB) apresentou o seu Trabalho de Unificação do Movimento Espírita no Brasil (30) durante o Congresso Espírita Mundial realizado em Li`ege, Bélgica, no período de 2 a 5 de Novembro de 1990, registrou para os espíritas do mundo inteiro sua linha de acção no campo da Unificação, tanto a nível de prática e objectivos como de interpretação própria do sentido desse Movimento. Dessa forma, o Movimento Espírita tem em seu poder, além de valorosas mensagens espirituais e outros como fruto do pensamento lúcido de eméritos espíritas, esse documento de significativo valor, do qual podemos e devemos extrair graves reflexões acerca dos verdadeiros objectivos da Unificação, inclusive na óptica febiana.

        Ao contrário do que por vezes chega a ser insinuado, a Unificação (do Movimento Espírita e de união das Sociedades e dos próprios espíritas) não visa a colocação de cabrestos nem em instituições nem em pessoas, como também não se propôs a delimitar terrenos ou áreas de ação aos que se engajam em seu roldão unificador, apesar de nem todos os instrumentos estarem tão aperfeiçoados quanto seria de se esperar. Conforme propõe a própria FEB, o trabalho de unificação (...) é uma actividade-meio que tem como objectivo fortalecer e facilitar a acção do Movimento Espírita na sua actividade-fim de promover o estudo a difusão e a prática da Doutrina" (31). Nesse documento (32) - que julgamos dever ser do conhecimento de todos os espíritas engajados nos trabalhos unificadores -, estão destacadas as directrizes relativas à filosofia do trabalho de Unificação, as quais resumidamente: a) baseiam-se nos princípios de fraternidade, liberdade e responsabilidade preconizados pelo Espiritismo; b) se caracterizam por oferecer sem exigir compensações, ajudar sem criar condicionamentos, expor sem impor resultados e unir sem tolher iniciativas; c) proporcionam integração e participação dos Centros Espíritas de forma voluntária, respeitando-se a autonomia administrativa que dispõem; d) oferecem programas de apoio e colaboração simplesmente como subsídios; e) estimulam o estudo constante e aprofundado das obras de Allan Kardec; f) objectivam colocar, com simplicidade e clareza, a mensagem consoladora e orientadora da Doutrina; e g) preservam aos que das actividades de Unificação participam, o direito natural de pensar, de criar e de agir que o Espiritismo preconiza, assentando-se, porém, todo e qualquer trabalho nas obras da Codificação Kardequiana.

        Se as unidades e células do Movimento Espírita que se sentem excluídas das estruturas do movimento de Unificação patrocinado pela FEB tiverem perfeito entendimento dessas colocações, perceberão que se exclusão houver será apenas dentro de um formato administrativo. A proposta de Unificação verdadeira, aquela que de fato transcende aos limites que os homens insistem em estabelecer, tanto está firme e vigorosa na Codificação quanto na estrutura apresentada pela FEB. Ocorre que para administrar o movimento unificador, a FEB criou, conforme já vimos, o CFN. Mas o CFN é apenas um órgão que, embora de muita relevância, se propõe a reunir e congregar representantes do Movimento Espírita para bem estruturá-lo. Estruturá-lo em que bases? A nosso ver, essas são pelo menos duas: da aplicação e da vivência. Na aplicação, temos por tarefa desenvolver uma boa orientação e divulgação espírita junto aos dirigentes e às Casas Espíritas, no intuito de bem prepará-los para exercerem com equilíbrio e denodo suas funções; na vivência, pela assimilação e prática da postura contida e ensinada na Codificação Espírita. Nesse espírito, lembramos Jesus quando asseverou: Todo aquele que faz a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e minha mãe (33), ou seja, quando estamos orientando bem e divulgando equilibradamente, com base nos postulados morais e cristãos, integralmente contidos na Codificação, estamos fazendo Unificação, ainda que porventura não estejamos ligados directamente ao CFN ou a qualquer outro órgão.

        Nisso tudo, devolvemos a palavra a Kardec em quem, sem pretensão de mistificá-lo, sempre encontramos a reflexão precisa e a ponderação equilibrada: Fora, portanto, pueril constituírem bando à parte alguns, por não pensarem todos do mesmo modo. Pior ainda do que isso seria o se tornarem ciosos uns dos outros os diferentes grupos ou associações da mesma cidade. (...) se alguma concorrência haja de entre eles existir, outra não deverá ser senão a de fazer cada um maior soma de bem. As que pretendam estar exclusivamente com a verdade terão de o provar, tomando por divisa:

        Amor e Caridade, que é a de todo verdadeiro espírita. Quererão prevalecer-se da superioridade dos Espíritos que as assistem? Provem-nos pela superioridade dos ensinos que recebam e pela aplicação que façam deles a si mesmas. Esse o critério infalível para se distinguirem as que estejam no melhor caminho (34) (grifos originais). (Nota: no capítulo 31 de O Livro dos Médiuns há uma mensagem do Espírito Fénelon, de número 22, sobre a qual acreditamos tenha o Codificador erigido o raciocínio ora exposto).
 

        Unificação sem uniformização

        Concluindo nossos apontamentos, poderíamos dizer que este item seria desnecessário. Dizemos seria porque alguns podem não lê-lo, por sua extensão, ou mesmo lendo-o, mas pela falta de síntese que me é peculiar, não perceberem que de tudo o que já foi exposto se infere que união não é sinónimo, nem direto nem indirecto, de uniformização.

        A uniformização das atitudes humanas, tanto em nosso nível actual quanto, acreditamos, em nível Superior, é perniciosa, pois tolhe a liberdade não só de agir, mas inclusive de pensar. Por outro lado, nem tudo que se uniformiza necessariamente se une; o comportamento da Sociedade nos demonstra isso a mancheias.

        Em Espiritismo, querer que essa sinonímia exista e prevaleça na prática entre seus adeptos, é negar os fundamentos cristãos e morais em que a própria Doutrina se assenta. Por tudo isso, é muito justo convir mais uma vez com Kardec quando assevera que Não será à opinião de um homem que se aliarão os outros, mas à voz unânime dos Espíritos; não será um homem, como não será qualquer outro, que fundará a ortodoxia espírita; tampouco será um Espírito que se venha impor a quem quer que seja; será a universalidade dos Espíritos que se comunicam em toda a Terra, por ordem de Deus.

        Esse o carácter essencial da Doutrina Espírita; essa sua força, a sua autoridade (35) (grifos originais).

        Unir para irmanar; unir esforços para construir. Unificar para fortalecer; unificar para convergir. Estudar Kardec para aprender; estudar Kardec para exemplificar; estudar Kardec para progredir.

        Viver o Evangelho, amando; viver o Evangelho, compreendendo; viver o Evangelho para evoluir.

        Jesus e Kardec são um todo, são unos e convergem para um só fim. Se neles estamos concordes e com eles não discordamos, nossa união não tem por que se demorar. Afinal, Jesus apontou que por muito se amarem é que os seus discípulos serão reconhecidos enquanto Kardec definia o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que empreende para domar suas más inclinações.

        Nesse ponto, é justo nos questionarmos: enquanto homens, temos feito tudo que devemos? Temos feito tudo que podemos? E o que temos feito é o melhor que podemos e sabemos? - E enquanto Sociedade Espírita, estaremos sendo fraternos, estendendo as mãos, nos sentando para resolver as divergências? Teremos sabido destacar os pontos positivos daqueles de quem discordamos? Estaremos sendo Espíritas?

        São muitas as reflexões que surgem. Pena que, na maioria das vezes, não passem de reflexões. Se nos dispusermos a colocar em prática essas - e muitas outras reflexões acerca da necessidade de nossa acção pessoal e efectiva -, com certeza atingiremos um só fim, pois estaremos reunidos num todo já que uno será nosso pensar e agir. Aí não mais haverá barreiras nem guerras; aí estará, de fato, estabelecida a verdadeira união. Esse é o Espírito de Unificação que entendemos.

 

        Referências

  1. Mensagem Unificação, publicada na revista Reformador de outubro de 1977, p. 301.
  1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. In.: Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed., 1986, Nova Fronteira/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Os obreiros do Senhor. In.: O Evangelho Segundo o Espiritismo. cap.20, item 5, p. 329, 84ª ed., 1982, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Prolegômenos. In.: O Livro dos Espíritos. p. 50, ed. 57ª, 1983, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Das reuniões e das Sociedades Espíritas. In.: O Livro dos Médiuns. cap. 29, item 350, p. 434, 47ª ed., 1982, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Carácter da Revelação Espírita. In.: A Gênese. cap. 1, 1ª nota de rodapé do item 53, p. 42, 24ª ed., 1982, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Amplitude de acção da comissão central. In.: Obras Póstumas. cap. Constituição do Espiritismo, item 6, pp. 328 e 329, 12ª ed., 1964, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Os trabalhadores da última hora. In.: O Evangelho Segundo o Espiritismo. cap. 20, item 3, p. 326, 84ª ed., 1982, FEB/RIO.
  1. RIBEIRO, Guillon. Introdução. In.: Trabalhos do Grupo Ismael. p. 33, 1ª ed., 1941, FEB/RIO.
  1. O documento foi republicado na revista Reformador de Janeiro de 1979, p. 46.
  1. Publicado na revista Reformador de Abril de 1950, pp. 73 e 74.
  1. Unificação, publicada em Reformador de Dezembro de 1975, p. 275.
  1. Primado do Amor, publicada em Reformador de Dezembro de 1992, p. 361.
  1. Unificação, publicada em Reformador de Outubro de 1977, p.301.
  1. Em A Gênese (cap. 1, item 13), Kardec afirma que ... a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega (...). Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem - e completa em Obras Póstumas (cap. Constituição do Espiritismo, item 2): ... É inerente ao carácter essencialmente progressivo da Doutrina. (...) Apoiada tão só nas leis da Natureza, não pode variar mais do que estas leis; mas, se uma nova lei for descoberta, tem ela que se por de acordo com essa lei. Não lhe cabe fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de se suicidar (grifos originais).
  1. Grande Conferência Espírita realizado no Rio de Janeiro item 2º, In., Reformador de Novembro de 1949, p. 243.
  1. Grande Conferência Espírita realizado no Rio de Janeiro item 12º, In., Reformador de Novembro de 1949, p. 244.
  1. Conforme súmula da reunião transcrita em Reformador de Novembro de 1981, p. 337.
  1. Conforme súmula da reunião transcrita em Reformador de Novembro de 1981, p. 338.
  1. Conforme súmula da reunião transcrita em Reformador de Novembro de 1981, p. 396
  1. A parte da súmula da reunião de que trata este assunto está transcrita em Reformador, de Janeiro de 1984, p.22 e de Junho de 1984, pp.186 a 188.
  1. É Kardec (no item O Chefe do Espiritismo, In.: Obras Póstumas. cap. Constituição do Espiritismo, item 3, p. 317. 12ª ed., 1964, FEB/RIO) quem pondera: Uma constituição, por muito boa que seja, não poderia ser perpétua. O que é bom para certa época, pode tornar-se deficiente em época posterior. As necessidades variam com as épocas e com o desenvolvimento das ideias. Se não se quiser que com o tempo ela caia em desuso, ou que venha a ser postergada pelas ideias progressistas, será necessário caminhe com essas ideias. (...) Fora grave erro acorrentar o futuro por meio de uma regra que se declarasse inflexível.
  1. Para maiores detalhes, recomendamos a leitura dos artigos: FEESPÍRITA/91 - Congresso Internacional de Espiritismo e Unificação do Movimento Espírita em Nível Internacional, publicados em Reformador de Janeiro de 1992, pp. 26 e 27, e pp. 34 e 35.
  1. O registro dos apontamentos da reunião do CEI se encontra em Reformador de Abril de 1993, pp. 33 a 35.
  1. In.: O Trabalho de Unificação do Movimento Espírita no Brasil, In.: Reformador de Março de 1991, p. 80.
  1. In.: O Trabalho de Unificação do Movimento Espírita no Brasil, In.: Reformador de Março de 1991, p. 80.
  1. KARDEC, Allan. O chefe do Espiritismo. In.: Obras Póstumas. cap. Constituição do Espiritismo, item 3, p. 317, 12ª ed., 1964, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. O chefe do Espiritismo. In.: Obras Póstumas. cap. Constituição do Espiritismo, item 3, p. 319, 12ª ed., 1964, FEB/RIO.
  1. KARDEC, Allan. Das reuniões e das Sociedades Espíritas. In.: O Livro dos Médiuns. cap. 29, item 348, p. 423, 47ª ed., 1982, FEB/RIO.
  1. O documento foi publicado na revista Reformador de Março de 1991, tendo sido recentemente transcrito no documento básico do VIII Congresso Espírita da Bahia (12 a 15/Novembro/1993).
  1. In.: O Trabalho de Unificação do Movimento Espírita no Brasil, In.: Reformador de Março de 1991, p. 80.

In.: O Trabalho de Unificação do Movimento Espírita no Brasil, In.: Reformador de Março de 1991, p. 80 a 83.

 

 

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