Médium Metódico



Roberto Fagundes era um homem metódico ao extremo, tudo que realizava obedecia a uma rígida organização. Tinha horário para dormir, acordar, barbear-se, comer, ler, escrever... Enfim, tudo era observado nos seus mínimos detalhes.

Certa noite ao deitar-se, quando apagou a luz do quarto levou um susto, tinha alguém sentado à beira da sua cama.

Levantou-se rapidamente e acendeu a luz. Qual não foi sua surpresa ao ver que não havia ninguém ali. Desconcertado, voltou a deitar-se. Novamente percebeu um vulto aproximar-se...

— Quem é você? - gritou trémulo.

— Sou seu avô.

— Meu avô está morto. Quem é você?

— Ninguém morre Fagundes, estou mais vivo do que você!

— Suponhamos que seja realmente meu avô, o que quer de mim?

— Trabalhar! Precisamos trabalhar!

— Tenho trabalhado todos os dias da minha vida! - exclamou Fagundes indignado.

— Procure o Espiritismo e você saberá do que estou falando...

Após repetir tal recomendação, desapareceu!

Naquela noite Fagundes não conseguiu pregar o olho, divagou madrugada a fora.

— Espiritismo? Eu sou homem dessas coisas.? Só pode ter sido um sonho, ou melhor, um pesadelo!

Depois de relutar alguns dias, num misto de curiosidade e preocupação, resolveu atender à recomendação do avô desencarnado.

No Centro... depois de narrar o acontecimento a um experiente lidador, foi aconselhado a estudar o Espiritismo e a participar das reuniões do grupo.

Atendendo a orientação, passou a estudar e a frequentar as reuniões que aconteciam às terças feiras. 

Em pouco tempo revelou-se médium auditivo. Orientado pelo espírito do avô e de um médico, cujas vozes ouvia claramente, passou a receitar, realizando verdadeiros prodígios no campo da cura. Em pouco tempo transformou as reuniões das terças feiras em trabalho de receituário. 

Sua fama alcançou os aflitos da região que lotavam o pequeno Centro de trabalho.

Embora a necessidade crescente à sua volta, Fagundes continuava metódico. Atendia apenas uma hora e quinze minutos às terças feiras. No máximo seis pessoas. Era o único tempo de que dispunha.

— Nenhum minuto a mais. —Afirmava constantemente.

Os anos se passaram... Alguns aflitos que não logravam o atendimento às terças feiras, ousavam bater às portas do seu lar.

Impassível, respondia aos apelos desesperados:

— A única hora vaga de que disponho, é às terças feiras. Minha vida é organizada, não abro mão sequer de um segundo a mais para vos atender. Dizendo isto, batia a porta.

O tempo correu célere, embora envergado pelos anos, Fagundes continuou inflexível até que a morte o transportou ao país da realidade.

Arrebatado em espírito, viu-se frente a entrada dos Planos a que fora destinado.

— Enfim... Aqui estou! - exclamou eufórico.

Ao atravessar os Portais Celestes foi barrado por um anjo.

— Tudo bem meu anjo, fui médium na Terra, dediquei minhas horas vagas aos aflitos.

— Óptimo! O senhor entrará pelo portão ao leste daqui.

Fagundes, com um sorriso traindo sua alegria, agradeceu e foi para a frente do tal portão. Para sua surpresa havia milhares de espíritos aguardando a entrada. Curioso, aproximou-se de um deles e perguntou:

— Todos que aqui estão vão entrar?

— Sim, todos vão entrar, porém... quando, ninguém sabe.

— Por que? - perguntou Fagundes indignado.

— O anjo que abre esse portão é metódico, só o faz quando dispõe de uma hora vaga em meio às suas santificantes obrigações, portanto, só aparece aqui uma vez por semana. Quando o abre, é por tão pouco tempo que mal dá para entrar cinco ou seis espíritos a cada semana.

Fagundes olhou à sua volta e temendo pela resposta, perguntou:

— Há quanto tempo você espera pela oportunidade de entrar?

— Apenas vinte anos. Alguns por aí há mais de meio século.

Fagundes desequilibrou-se e despencou em direcção à Terra. Alguns videntes juram vê-lo no Centro onde trabalhou, gritando desesperado:

—Vamos trabalhar! Vamos trabalhar!... 

Extraído do livro Pedaço de Estrela
de Nelson Moraes

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