Chris (Williams) e a mulher Annie (Sciorra) têm que lidar
com os mais profundos dramas familiares. Uma desgraça nunca
vêm só, num filme em que o ponto de partida não é o que vai
suceder aos personagens, mas como resolverão os seus
problemas depois do pior que lhes podia suceder ter
sucedido. Pode não fazer sentido, mas trata-se de um passeio
pelo Além. Williams é ajudado por alguns guias celestiais,
que lhe dão as indicações necessárias para ir ao Inferno e
voltar. «What Dreams May Come» é, sem sombras de dúvida, um
filme visualmente belo, com imagens que permanecem na retina
do espectador, o qual preferirá percorrer os diversos
quadros com o olhar a seguir a história dramática do romance
post mortem, e da aceitação da natureza das coisas (mortas)
por parte do personagem central. A irrealidade latente é
necessariamente inversamente proporcional ao nosso interesse
pelo destino dos personagens, e requerer-se-ia algo mais
para nos agarrar a uma história em que o ponto de partida é
a morte. Normalmente, preocupamo-nos com a morte de alguém
no decurso ou no final do filme. Uma boa tragédia pincela
morosamente os personagens e depois traz-lhes todas as
desgraças possíveis, maxime a morte, mas a tortura física
prolongada também não costuma ficar mal. Aqui, como é óbvio,
não há esse receio. Williams e Sciorra surgem a sofrer
desalmadamente, e quando o cenário muda o sofrimento
prossegue, infindável, não se misturando as imagens bonitas
com os cenários mais terrenos ou negros onde o drama tem a
sua génese. Pelo meio existem uma série de pequenos gracejos
que - além de não terem piada e de estarem fora do registo
normal do filme - em nada ajudam à definição dos
personagens. Não se fornece uma base lógica sobre a mecânica
do pós-vida, para além de que o "espaço" é infindável, e
todos têm direito ao seu pedaço de Céu. É menos difícil de
visualizar que, não existindo Tempo, Chris tenha, em dado
momento, três minutos para permanecer em certo local. A
sequência da sua viagem resume-se a encontrar personagens
que escolhem a identidade de outra pessoa que ele conheceu
em vida, para depois, muito naturalmente, serem reveladas
como outras pessoas (com rostos mais familiares). O inferno
é algo decepcionante, depois dos "céus" tão trabalhados a
nível plástico, apesar de uma imagem curiosa - uma planície
de cabeças -, mas cujo efeito final raia o involuntariamente
(?) cómico. Uma informação importante sobre o reino de
Satanás: os "internos" não reconhecem as visitas, mas se
falarem emotivamente na terceira pessoa, pode ser que algum
milagre suceda e que o Amor vença. O drama está demasiado
longe da Terra para funcionar. O filme é belo, tão belo que
chega a ser enjoativo. Eduardo Serra é um excelente director
de fotografia em formato "scope", (de que é sintomática a
nomeação para o Oscar por «Wings of the Dove» (1997)), mas
este não é o género de filmes onde o seu talento melhor será
usado, já que o tratamento digital da imagem domina os
cenários e secundariza a iluminação natural de cena. A
imagens são bonitas, mas a sua inserção na narrativa não
aquece nem arrefece (e pelo menos o Inferno poderia aquecer
um pouco). Robin Williams é lamentavelmente muito limitado
no campo da interpretação dramática. Para uma história de
amor para lá da vida e da morte mais consistente, mais vale
alugar o terceiro tomo da série «O Regresso dos Mortos
Vivos», escondido por detrás do medonho título «Experiência
Maldita».
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