Cassiel é um anjo
que acompanha a vida dos habitantes de Berlim. Após salvar a
vida de uma jovem, ele vira humano e é perseguido por um
supervisor de anjos que deseja puni-lo. Cassel pede ajuda a
um amigo que se tornou humano e agora vive com a família na
Berlim unificada.
Filme vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de
Cannes (1993). Continuação do grande sucesso de 1988 do
diretor alemão Win Wenders, "Asas do Desejo".
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Como a lição de um olhar, o que ficou para mim é que,
apesar de tender a fugir de tudo aquilo que de ruim vejo na
mídia e nas pessoas que me rodeiam, devo antes de tudo abrir
bem os meus olhos para tentar enxergar a realidade de modo
que talvez possa retomar a pureza de meu olhar sobre o
mundo.
“Os olhos são a luz do corpo. Se os olhos forem bons, o
corpo será luminoso. Mas se forem maus, o corpo estará em
trevas”. É com esta citação de Mateus (VI, 22) que Wenders
inicia o filme “Tão Longe, Tão Perto” (“In Weiter Ferne, So
Nah!” - 1993). Fruto de um projeto de continuação do poético
e inesquecível “Asas do Desejo” (Der Himmel ünder Berlin -
1987), “Tão Longe, Tão Perto!” traz de volta a maioria do
elenco de outrora, incluindo as mesmas figuras dos anjos de
Berlim que continuam prestando atenção a todos os seres
humanos que habitam aquele lugar.
Ao contrário de Damiel (Bruno Ganz), que desiste de ser
um anjo após se apaixonar pela bela artista circense Marion
(Solveig Dommartin), o protagonista Cassiel (Otto Sander)
continua sendo um guardião, mas que agora anseia em
tornar-se mortal para amparar, com mais “eficácia”, a
humanidade. “A missão de Cassiel é a de descobrir como as
pessoas se vêem e se ouvem e como percebem o mundo com a
finalidade de melhor agir nele...”, explica o cineasta
alemão, que finalmente dá a Otto Sander a chance de ser o
anjo que se torna mortal (vontade já manifestada nas
gravações de Asas...). “O anjo das lágrimas” (explicação do
nome Cassiel) quer entender por que as pessoas são tão
apegadas com o terreno. Daí o porquê de sua confissão à
amiga (e também anjo), Raphaela: "as pessoas não
conquistaram o mundo, o mundo é que as conquistaram." E como
moral, Mickhail Gorbachev (que faz uma rápida, porém
interessante participação no filme) cita Fyodor Dostoevsky:
"o sentido da vida humana não se encontra no fato de que um
vive, mas sim para quê o mesmo vive."
O filme demonstra a sensação de baratinamento após a
Queda do Muro de Berlim, como podemos ver na cena em que
Peter Falk pede, de forma um tanto quanto angustiada,
instruções ao perdido e confuso taxista alemão. Em
contraposição às “Asas do Desejo”, que, na visão do próprio
cineasta, consistia essencialmente em uma fábula em que os
anjos podiam ser entendidos como uma metáfora da bondade e
da ingenuidade que todos temos em nós mesmos, “Tão Longe,
Tão Perto!” trata muito mais da realidade contemporânea de
uma Berlim recém-unificada. E Wenders mostra em seu filme
parte de uma hostilidade e desorientação que os alemães
sentiram no momento."Há uma ausência notável de calma e de
generosidade. Não diria o amor, porque ele parece ser uma
palavra muito forte, mas há uma falta de amizade na Alemanha
atual. As pessoas do oriente são hostis às do ocidente,
porque se sentem desprivilegiadas. Enquanto o povo da
Alemanha Ocidental se sente traído por terem acreditado na
falsa promessa de que a reunificação não os custaria muito,
mas que, no final das contas, acabaram por sofrer
[amargamente] as conseqüências", explica o diretor, que
mostra no filme diversas situações vivenciadas pelos alemães
que confirmam todo o caos pós-guerra: o Postdamer Platz
(lugar em que os sem-teto alemães buscavam algum abrigo), a
facilidade de se obter armas, os antigos carros (agora,
peças de museu), e assim por diante.
Mas, ainda assim, acredito que a verdadeira missão de
Faraway... era a de se fazer uma reflexão sobre o olhar. E
me fundamento na própria explicação que o Wenders faz do
filme: "a razão pela qual eu realizei este filme novamente
com anjos era devido ao modo de como olhamos as coisas”. E o
cineasta completa: “Eu só percebi no decurso das gravações
de ‘Asas do Desejo’ que o assunto do filme tinha sido os
olhares dos anjos perante nós, mortais, a quem eles tanto
amam, bem como a minha tradução deste olhar em um filme.
Anos mais tarde, percebi que a maneira de como olhamos as
coisas deveria ser matéria de um outro filme. Falar sobre as
diferentes formas de como vemos o mundo, contando não só a
forma de como apreendemos as coisas através do olhar, mas
também como damos em retorno pelos próprios olhos.”
Um outro problema mostrado no filme é que "em nossa
cultura atual, tudo que acontece está no contexto do
consumismo”, desabafa Wim Wenders, que continua: "a função
original das imagens é primeiramente mostrar. Hoje, as
imagens no cinema e na televisão são dominadas pela obsessão
de vender. E vende-se tudo: uma idéia, um produto, uma
maneira de vida. O espírito da publicidade é algo que o
cinema antigamente não tinha e que agora é dominante na
cultura contemporânea do audio-visual.” No documentário
brasileiro “A Janela da Alma”, de João Jardim e Walter
Carvallho, Wim Wenders (também entrevistado) reitera essa
idéia de que vivemos num mundo com tamanha intensidade de
informações audiovisuais, que paramos de perceber os
detalhes. E ele fundamenta seu pensamento diante a mesmice
dos filmes lançados atualmente no mercado. Segundo Wenders,
os filmes de hoje já vêm prontos porque as pessoas querem
somente os filmes fáceis, sobre os quais não precisam
pensar.
Ainda sobre essa questão do olhar, Wenders combate, em
especial, um vergonhoso aspecto que têm sido uma constante
no Cinema: o voyeurismo pornográfico. Uma vergonha que faz o
anjo-homem Cassiel a destruir com um velho rolo de filme, e
que, ao meu ver, representaria uma das mais belas mensagens
de amor já deixadas ao Cinema. “As imagens sempre ingeriram
vários aspectos de nossa vida. As imagens pornográficas são
imagens infectadas que invadem as áreas mais íntimas de
nossa vida com uma brutalidade e ferocidade imperdoáveis. É
só você zapear seu controle remoto e passear pelos programas
de TV para acabar se contaminado involuntariamente.”, fala o
universal cineasta Wim Wenders, que conseguiu tocar em um
drama tão conhecido por nós, brasileiros (especialmente nas
tristes tardes de domingo).
Como lição desse olhar, o que ficou para mim é que,
apesar de tender a fugir de tudo aquilo que de ruim vejo na
mídia e nas pessoas que me rodeiam, devo antes de tudo abrir
bem os meus olhos para tentar enxergar a realidade de modo
que talvez possa retomar a pureza de meu olhar sobre o
mundo. Pois, de acordo com o salve-salve José Saramago, é
justamente a indiferença que impede as pessoas (e as nações)
ricas de verem o sofrimento dos pobres e dos excluídos. E é
justamente o escritor de Ensaio sobre a Cegueira (livro este
que recomendo a todos), que diz, em outras palavras, a maior
mensagem de “Tão Longe, Tão Perto!”: “Estamos todos cegos,
cegos da razão, cegos da sensibilidade, cegos de tudo aquilo
que faz de nós seres egoístas e violentos! E o espetáculo
que o mundo nos oferece é exatamente este, um mundo de
desigualdade, de sofrimento, sem justificação. (...) Estamos
todos fadados à Caverna de Platão [hoje, o mundo
áudio-visual]. Repetimos a situação das pessoas aprisionadas
na Caverna, olhando em frente, vendo sombras e acreditando
que elas são reais. (...) Vivemos em um mundo à parte, um
mundo audiovisual, onde as imagens se multiplicam e onde
nós, futuramente, estaremos perdidos. Perdidos, em primeiro
lugar, de nós próprios, e em segundo lugar, perdidos na
relação com o mundo.” Mais do que isso, é só acompanharmos o
drama do anjo Cassiel enquanto o humano Karl Engel. É crer
pra ver (os anjos é quem digam...).
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